Em vez de reduzir os benefícios, o
cofre da Previdência pode crescer com combate à sonegação e redução de isenções
fiscais e da informalidade
A reforma da previdência que o presidente Michel Temer
promete enviar ao Congresso nesta semana deve ter grande impacto na vida dos
trabalhadores. Isso porque o projeto parte de um raciocínio simples para
supostamente equilibrar o cofre da Previdência Social: os brasileiros estão
vivendo mais, e o número de aposentados só aumenta. Para a conta fechar, eles
devem se aposentar mais tarde ou ganhar menos.
O envelhecimento da população é uma realidade, reforçada
pelo anúncio recente da Síntese de Indicadores Sociais 2016, do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Mas cortar benefícios dos trabalhadores não é a única
forma de sanar as contas da previdência. É possível aumentar a arrecadação
simplesmente aplicando a lei em vigor. A Constituição estabelece três fontes de
contribuições para a previdência: os trabalhadores, as empresas e o governo.
É possível aumentar as entradas ao sanar os ralos por
onde o dinheiro da Previdência Social escapa. Entre elas, a dívida das empresas
com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que aumenta ano a ano sem que
o governo consiga recuperá-la. E as isenções fiscais às empresas, mantidas com
o dinheiro da previdência.
A Repórter Brasil reuniu uma série de medidas que
poderiam aumentar significativamente a receita da Previdência, equilibrando as
contas sem a necessidade de cortar benefícios dos trabalhadores.
Recuperar dívidas com o INSS: 10,3 bilhões de reais*
Quase 700 mil empresas devem 301,9 bilhões de reais à
Previdência Social, o suficiente para pagar mais de duas vezes o chamado
déficit da previdência. Apesar do grande número de devedores, a maior parte da
dívida está concentrada em poucos deles: os 10 maiores concentram mais de um
terço desse valor, segundo dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Infelizmente, não é fácil para o governo recuperar esse
dinheiro. A maior parte das empresas faliram antes de pagar as suas contas,
caso das duas maiores devedoras: as companhias aéreas Varig e Vasp. Ainda
assim, são altas as chances de recuperar 10,3 bilhões de reais, segundo estudo
do extinto Ministério do Trabalho e da Previdência Social, realizado em 2015.
O calote ao INSS não ficou em um passado remoto, já que
algumas empresas continuam a ignorar esses impostos. Somente em 2015, a
Previdência Social perdeu 26,4 bilhões de reais devido à inadimplência e à
sonegação fiscal, segundo dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da
Receita Federal.
Acabar com isenções ficais: 55 bilhões de reais*
Além das empresas que sonegam as contribuições à
Previdência Social, há outras que sequer precisam pagar o governo. Com o
argumento de que isso aquece o mercado de trabalho, o governo federal concede
descontos no pagamento do INSS pelos empregadores desde 2011. A estimativa para
2016 é de que esses benefícios retirem 25 bilhões de reais da Previdência
Social.
Esse problema parece não ter hora para acabar. O programa
de desonerações, batizado de “Brasil Melhor”, foi anunciado como uma medida
temporária, que deveria durar três anos. Mas, desde então, o programa vem sendo
renovado sob a pressão do setor empresarial.
Formalizar trabalhadores: 47 bilhões de reais*
O número sobe para 47 bilhões de reais quando também são
considerados os trabalhadores domésticos, que não recebem desconto na folha de
pagamento para a Previdência Social.
O dinheiro pago aos trabalhadores “por fora” do salário
também passa ao largo da Previdência. São salários subestimados, horas extras
pagas informalmente e até gorjetas que não são incluídas no valor da carteira de
trabalho. Ao tirar o valor da folha de pagamento, as empresas sonegam o INSS.
Não existem levantamentos nacionais sobre o assunto, mas
estudos pontuais mostram que esse tipo de prática é extremamente comum e
danosa. Somente 135 empresas de transporte urbano em Belo Horizonte, por
exemplo, causaram um rombo anual de 1 milhão de reais na Previdência Social
pagando os funcionários “por fora”, segundo ação do Ministério Público Federal
de Minas Gerais em 2015.
Comunicar acidentes e doenças: 8,8 bilhões de reais*
Mais de 300 mil trabalhadores são afastados dos seus
empregos todos os anos por causa de acidentes ou doenças adquiridas no local de
trabalho. Apesar das empresas causarem esses problemas, são os cofres da
Previdência Social que pagam os 8,8 bilhões de reais anuais em auxílios a esses
doentes e acidentados.
As empresas deveriam pagar por esses auxílios quando elas
não seguirem padrões de segurança e higiene determinados pelo governo. Já o
INSS tem o dever de pedir esse dinheiro de volta às empresas na Justiça, mas
não age com o empenho necessário para recuperar esse dinheiro.
Em um ano, o INSS entra em média com 340 ações pedindo o
ressarcimento das aposentadorias causadas pelas empresas, um número irrisório
perto das centenas de milhares de trabalhadores que são afastados todo ano.
Recentemente, o instituto começou a entrar com ações
coletivas contra as empresas. Dessa forma, seria possível recuperar mais
dinheiro de uma única vez. A Previdência conseguiu sua primeira vitória em
2015, quando o frigorífico Doux Frangosul foi condenado a pagar um milhão de
reais ao governo pelos auxílios dados pelo INSS a 111 ex-funcionários que
contraíram doenças no abate de frangos.
Deixar de comunicar acidentes também é uma forma de
sonegação. Ao esconder esses registros, elas economizam com uma contribuição
que varia de acordo com o número de doentes e acidentados em cada empresa,
chamada Riscos Ambientais de Trabalho (RAT).
O número de trabalhadores que relata ter sofrido um
acidente ou adoecido no trabalho é sete vezes maior do que o número informado
ao INSS, segundo estudo da Fundacentro, fundação de pesquisas ligada ao
Ministério do Trabalho. Caso os acidentes não fossem omitidos dessa forma, a
arrecadação seria muito maior que os atuais 27 bilhões de reais arrecadados
pelo RAT anualmente.
Usar outras fontes para pagar a dívida pública: 63
bilhões de reais*
Culpada constantemente pelos problemas do orçamento de
todo o governo, a dívida pública também leva sua parte do orçamento da
Previdência Social. Para pagá-la em 2015, o governo retirou 63 bilhões de reais
da conta da Seguridade Social, uma rubrica que inclui, além da Previdência
Social, o Sistema Único de Saúde (SUS), o Bolsa Família e outras políticas.
Isso é possível graças a um mecanismo chamado
Desvinculação de Receitas da União (DRU), que até esse ano permitia ao governo
gastar 20% da sua arrecadação livremente. Esse valor deve crescer a partir de
2017, graças a uma emenda à Constituição que aumentou a DRU para 30%.
Sem o pagamento da dívida, a Seguridade Social não daria
o prejuízo alardeado pelo governo. Considerando todas as fontes de receita da
seguridade, o saldo positivo seria de 11 bilhões de reais, segundo levantamento
da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil
(Anfip).
Além dos descontos em folha, uma série de impostos e
contribuições, com o Cofins e o CSLL, deveriam servir exclusivamente para
bancar a assistência social do governo, de acordo com o texto da Constituição.
*Reportagem publicada originalmente na Repórter Brasil
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